Diálogo Social em tempos de Covid-19

2022.04.28

Nos anos anteriores a 2020 observou-se na esfera de decisão central um aumento da atenção dedicada à dimensão social das relações laborais na Europa.

No sector ATM em especial, a concertação entre empregadores e empregados dava sinais de estabilização face aos desafios do momento, como os Planos de Performance e Desempenho e o aumento significativo do tráfego.

Terá sido a Covid-19um desafio demasiado grande para as relações mais frágeis no Céu Único Europeu?

Os princípios que até Janeiro 2020 se diziam fundamentais

Em novembro de 2017 a Comissão Europeia publicou o “European Pillar of Social Rights”, um documento com 20 recomendações (sem força legal vinculativa para os Estados-Membros), com a intenção de promover o renasci-mento da dimensão social da União Europeia, procurando o equilíbrio entre esta e a dimensão económica das políticas desenvolvidas no coração da Europa.

Com 20 princípios básicos e considerados fundamentais, no oitavo a Comissão Europeia enaltece a importância dos parceiros sociais e enumera os direitos que lhes devem ser atribuí-dos (nomeadamente os da negociação coletiva e do direito à greve). Para além disso, observa que os parceiros sociais devem ser informado se consultados em relação a assuntos para eles relevantes.

Antes disso, em março de 2016, já ATCEUC, ETF e CANSO tinham criado o documento “Tool-box for Successful Social Dialogue in Air Traffic Management”, onde se acertavam princípios e procedimentos desenhados à medida das especificidades do sector ATM, e que manteriam a relação entre os ANSP e os seus profissionais numa base saudável e bem-sucedida. Para o propósito deste artigo, destaca-se a seguinte frase desse documento: “No matter how many measures or procedures you create for trustworthy social dialogue, you will fail if the two parties do not understand or respect each other."

Não entre em pânico!

Infelizmente, com o impacto conhecido daCovid-19 no sector ATM, não é correto afirmar que os princípios base do diálogo social se mantiveram intactos em toda a Europa. Na verdade, acreditamos agora que em alguns caso seles nunca foram verdadeiramente compreendidos e aceites por alguns parceiros do sector.

Nos tempos em que a resposta ao crescente tráfego necessitava da colaboração da força laboral, alguns empregadores apresentaram uma maior abertura para ouvir as preocupações de sindicatos e associações profissionais do que aquela que acabaram por demonstrar quando a maior redução de tráfego da história trouxe consigo também a maior crise de receitas deste sector infraestrutural europeu.

Perante um cenário incerto e instável, terão todos os ANSP respeitado os princípios defendi-dos pela Comissão Europeia ou a famosa caixa de ferramentas que manteria o diálogo social saudável? 

Polónia: Dividir e conquistar, em nome da carreira pessoal

Já no final de 2019, o atual CEO da PANSA(ANSP polaco) tinha dado sinais de pouca cultura de diálogo social: em plena negociação doAcordo Coletivo de Trabalho, terão sido feitas alterações às condições laborais pela empresa de forma unilateral e contra a vontade dos parceiros sociais. A crise pandémica acabou a ser usada pela PANSA como a desculpa perfeita para implementar uma série de medidas, que anteriormente tinham sido barradas em sede negocial por alguns Sindicatos e até pelo departamento de segurança da própria empresa, entre as quais se destaca a implementação do conceito de SPO (“single person operations”) nos diferentes Órgãos de Controlo. Com incidentes operacionais e diplomáticos pelo meio, a PANSA acabaria por deixar de reconhecer a legitimidade do Sindicato mais representativo dos CTA, retirando-o da mesa de negociações e despedindo os membros mais ativos da sua Direção. Pelo meio, a empresa foi validando alterações às condições laborais do staff operacional (nomeadamente CTA) em processos de negociação coletiva cuja representação era convenientemente enviesada para, assim, obter a aprovação por parte de outros Sindicatos afetos à empresa que não representavam efetivamente o seu staff operacional. No final de2021, com os associados do Sindicato agora não-reconhecido pela empresa a recusarem a proposta de novo Acordo Coletivo de Trabalho, a PANSA instaurou um processo de despedimento de staff operacional, respectivamente81%e86% dos CTA do APP e do ACC de Varsóvia. Naturalmente, os atrasos previstos para o Verão IATA de 2022 são de uma escala nunca antes vista.

No entanto... O CEO da PANSA acabou por levar até ao fim o seu mandato enquanto Presidente da “A6 Alliance” (uma aliança de ANSPEuropeus em prol da modernização do sistemaATM), sem ter sido contestado por nenhum outro ANSP que, tal como a PANSA, deveria alinhar-se no espírito de diálogo social da Comissão Europeia e da CANSO. 

Agora com uma nova CEO, após o despedimento do anterior pelo facto de este ter causado a actual situação de tensão, os Sindicatos de CTA chegaram a um acordo temporário de última hora que evita aquela que seria a crise de capacidade mais grave dos últimos anos numa FIR europeia.

Ainda sem um novo Acordo Colectivo de Trabalho aceite pelos CTA, estes aceitaram prolongar o período de negociação, mantendo-se vinculados à empresa, sob as condições vigentes e a prestar o normal serviço ATC até ao dia 10 de Julho. 

Prosseguem assim as negociações entre empregador e empresa na busca de um compromisso que satisfaça os nossos colegas polacos, sob pena de estes abandonarem o ANSP nacional e prosseguirem a sua carreira noutros países vizinhos.

Croácia: Negociar ou castigar?

Na Croácia, a negociação do Acordo Coletivo de Trabalho de 2019 (assinado em dezembro desse ano) não foi fácil perante os desafios então existentes, tendo o Sindicato local marca-do uma posição forte que terá gerado na Administração da Croatia Control alguns anticorpos.

Perante a crise pandémica, a negociação do corte dos salários dos CTA croatas demoraria mais de meio ano, tendo ocorrido ao longo do processo várias ameaças de despedimentos. Mas não só: com a reforma antecipada de CTA, a empresa decidiu unilateralmente que as funções de FMP seriam acumuladas pela Supervisão, sem providenciar a estes profissionais a devida formação para o desempenho das suas novas funções.

Com o Sindicato Croata a manter-se firme na defesa da sua classe, a Croatia Control passou a usar armas mais impróprias: pegando na recusa do Presidente do Sindicato Croata em desempenhar as funções de FMP por não ter formação, iniciaria contra ele um processo de despedimento.

Assim, o ataque da Croatia Control passou a ser direcionado para o líder da Classe que com base na união solidária da mesma, foi vencendo as pequenas batalhas diárias na defesa dos direitos laborais.

Perante crises, relembrar bases

As incertezas que surgiram com a maior crise da história da aviação mundial fizeram tremer muitos profissionais e instituições do nosso sector.

Companhias aéreas, aeroportos, ANSP e outros prestadores de serviços enfrentaram a maior redução de tráfego de sempre, que os deixou numa crise de receitas sem precedentes.

Felizmente, na maioria dos ANSP europeus, a definição de "diálogo" manteve-se viva e saudável, com acordos definidos e firmados em conjunto entre empregadores e empregados.

Há que não esquecer que, dialogando, a resposta aos maiores problemas que o sector enfrenta cria-se em conjunto, com em-pregadores e empregados em constante partilha de informação. Mantendo esse princípio vivo, todos os desafios serão vencidos. 

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